19.7.07

O segredo dos animais

- Você acredita mesmo nisso, Martín? - Perguntou aflita.
O interesse de Eliza pelos animais era o mesmo que tinha pelos esportes: assistia indiferente aos seus movimentos magnificamente incompreensíveis. Porém, ao ouvir aquelas palavras apaixonadas deslizando pela boca de Martín, não pode conter a pergunta que explodiu em seu cérebro.
- Sim. Tanto acredito que já me preparo para isso. Serei um rouxinol do campo! - Disse enfático. Era convicto de sua reencarnação.
- Voarei e cantarei por este mundo, sem medo e sem razão. Sem propósito e sem paixão. Sem amores, nem prisão. Serei livre e somente.
Martín tinha a compulsão de poetizar toda e qualquer conversa que participava. Inclusive os monólogos que fazia sempre que pensava estar sozinho.
Eliza sorriu com um pouco de pena nos olhos. Para ela, liberdade era somente uma questão de disciplina, não de abdicação total do mundo. Porém, compreendia a imaginação fértil e sem limites de seu amigo.
- Então eu vou ser uma leoa! Líder do grupo! Alimentarei todos e eles dependerão da minha soberania. Matarei sem dó e terei inúmeros filhotes! Serei rainha! – Disse com mais entusiasmo do que imaginou.
- Basta então que viva para isso, o universo se encarregará do resto.
Eliza encarou-o com mais calma. Procurou em seus olhos a sabedoria daquelas palavras. Encontrou somente um vazio incansavelmente preenchido por pesquisas e estudos. Ainda restava algum amor naquela alma injustiçada.
- O que está procurando? Sabe que eu não gosto que me fite dessa maneira! Sinto-me usurpado! – disse com mais raiva do que imaginou ter.
Amava Eliza. Queria-a somente bem, mas às vezes aquela menina sorridente lhe dava nos nervos com toda aquela indiferença diante da vida. Como podia?
Eliza levantou-se, acendeu um cigarro e foi fazer o café. Forte e amargo. Do jeito que ambos precisavam. Livrava-os da monotonia e tristeza, respectivamente.
- Eliza... – Martín levantou e foi em sua direção – Deseja mesmo ser uma leoa por completo?
- Não Martín. Desejo me casar e ter filhos – parou por um momento – e dançar bastante!
- Não me refiro a ao presente. E sim ao futuro pós-vida de que estava lhe falando. Do paraíso que é ser e não saber. Da máxima que é ter plena consciência de sua finalidade nesse mundo. Estou falando do paraíso! – olhou para as próprias mãos trêmulas.
- Então sim. Se realmente existir essa reencarnação que tanto lhe fascina, gostaria de ser uma leoa.
- E existe! – disse entusiasmado – Não vê os animais sob a Terra? Eles existem!
- Ah Martín...
- Não diga nada. Apenas me prometa que viverá para ser uma leoa.
Martín segurou as mãos de Eliza sem dar atenção ao cigarro que lhe esfumaçava a cara. Olhou-a profundamente nos olhos e repetiu:
- Promete?

Eliza abriu os olhos e despertou lentamente de seu sono vespertino. Sempre às 14h, sempre na poltrona acolchoada da varanda de sua casa no campo. Adorava acordar e ter a planície verde com uma única árvore florida no centro como cenário. Sentia-se em plena paz.
Muito tempo havia passado desde o dia em que ouvirá Martín declarar apaixonadamente aquelas coisas absurdas sobre reencarnação. Há muito ele havia partido. Deixou-a somente com a lembrança daquele dia e algumas mudas de mamoeiro. “Plante-as na primeira primavera após minha morte”, pedira. No momento, não compreendeu. Estava preocupada demais com a vida do marido enfermo. Mesmo assim, na primeira primavera após sua morte, concedeu-o desejo.
Hoje, as árvores haviam crescido e davam lindos e suculentos frutos. Seu jardim se enchia de pássaros de todos os tipos que vinham em busca do doce mel das frutas.
Na primeira safra, ao ver os pássaros, descobriu o porquê do presente inusitado de seu grande amor passado. Sorriu.

Escrito em 19/07/07 por Gabriel Dias Bertolim

1 Comments:

At 2:32 AM, Blogger Débora Costa e Silva said...

Parabéns!
Ótimo texto, conto, história...
Tocante!
Pra deixar sem palavras!
Beijos!

 

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